Uma revista semanal publicou recentemente uma reportagem sobre como os fundamentalistas, através da aparente constatação da chamada “marcha dos pingüins”, que descreve o grande percurso que essas aves percorrem para acasalar-se, e, em grande parte, com os mesmos parceiros da marcha anterior, estão tentando demonstrar como a monogamia é o natural na dispensação divina da Criação. O comentarista da área de ciências dessa revista desancou os tais fundamentalistas, fazendo ver a ingenuidade e a simploriedade desse argumento antropomórfico, deixando claro que há outros fatos no comportamento dessa espécie que, por si só, desautorizam essa conclusão.
O comentarista da revista tem razão. É uma ingenuidade. Mesmo nas Escrituras, esse assunto passou por várias fases:
• No momento da Criação, Deus ordenou a monogamia (Gn 3.24), e o relacionamento entre homem e mulher era de unidade. Dois seres, mas uma só carne. Duas vidas, mas um só caminho e uma só missão.
• No evento da queda, Deus subordina a mulher ao homem, dizendo que ela seria governada por seu marido (Gn 3.16).
• Depois disso, Deus desaparece da cena por sabe-se lá quanto tempo; quando reaparece, encontra a poligamia e, a rigor, não mexe nisso, embora ela signifique a exarcebação do governo do homem sobre a mulher.
• Quando Jesus Cristo aparece, ele manda voltarmos para o início (Mt 19.8), para o momento da unidade, quando o relacionamento não estava baseado na autoridade, mas na unidade – e, portanto, na cumplicidade.
Alguém poderá dizer que não é assim, porque Paulo diz que a mulher deve ser submissa ao seu marido. Entretanto, o próprio Paulo diz que está falando da relação entre Cristo e a Igreja (Ef 5.32). Nós é que não queremos prestar a atenção nisso, acabando por fazer uma má exegese. Quanto ao relacionamento conjugal, Paulo diz que o homem deve amar a sua mulher como a si mesmo e a mulher deve respeitar ao seu marido (Ef 5.33).
Portanto, não há dúvida, o caminho escolhido por Deus para o relacionamento conjugal é o da monogamia. Mas não por causa de uma determinação genética, nem por causa de um imperativo moral, mas porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus, que é, em si mesmo, uma unidade. Logo, não há como ser expressão desse Ser sem, de alguma maneira, participar da unidade que o caracteriza. Daí ser na unidade da monogamia, da família e da comunidade que manifestamos a imagem de Deus. Sim, porque os anjos têm as mesmas qualidades cognitivas e volitivas que nós, mas são tidos como criaturas à imagem de Deus.
E, para além do corpo, que não nos distingue como imago Dei, o que experimentamos de Deus, diferentemente dos anjos eleitos, é que, guardadas as devidas proporções, somos as únicas criaturas de Deus que experimentam a unidade que o distingue. A monogamia não é natural, mas litúrgica. A monogamia fundamentada na unidade. Qualquer outro tipo de relacionamento no casamento conspurca a imagem de Deus.
(Ariovaldo Ramos)
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